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Entrevista

O que é o Jornalismo de Dados

Rui Barros é jornalista de dados do Jornal Público e é um dos finalistas ao maior premio internacional  de Jornalismo de Dados

O Jornal Publico é candidato aos Sigma Awards, o premio internacional de jornalismo de dados, com dois artigos publicados durante a pandemia Sucesso Escolar Estes Quatro Concelhos Remam Contra a Maré e Quais os cafés e Restaurantes a 300 Metros das escolas? Consulte o Mapa . Dos nomeados, fazem parte O New York Times, The Economist, Finantial Times, Reuters e a Bloomberg

O conceito de jornalismo de dados não é novo, sendo uma das vertentes do chamado jornalismo de investigação. É uma das grandes apostas de jornais de referência internacionais

Rui Barros Jornalista de Dados Jornal Publico

Rui Barros tem 27 anos é licenciado em ciências da Comunicação pela universidade do Minho, iniciou a sua carreira na Rádio Renascença em 2016 e atualmente trabalha no  Jornal Publico como Jornalista de Dados. Como o próprio se define: “sou um jornalista ”. Utiliza dados e códigos para contar histórias, construir news-apps e desenvolver recursos úteis baseados em dados. 

O  que é ser jornalista de dados?

Antes de mais, é ser jornalista , ou seja, um compromisso com a verdade. Um compromisso  muito grande para com os leitores e com esta missão de informar. Isso não se altera sendo Jornalista de dados, foto jornalista, infografista  ou outro tipo de especialização dentro do jornalismo

No jornalismo de dados , recorre-se a outra coisa,  a que tendencialmente chamamos análise de dados. Consiste em  entrevistar bases de dados, utilizam se métodos  e analises  estatísticas, com a ajuda de linguagens de programação, para colocar  questões á  nossa base dados e procurar histórias que estejam contidos naquelas bases de dados.

Os Números mentem?

Os números são como qualquer outro documento, o reflexo de quem o elaborou.
Da mesma forma que é possível dizer muita mentira só dizendo a verdade. Pode se mentir se não se disser tudo. Os dados são o reflexo de uma metodologia que foi utilizada para os recolher, não são uma entidade desenraizada do mundo  e às vezes  é muito fácil esquecermos isto.

“Quando estamos a falar de números Covid, primeiro, aqueles números são sobre pessoas.

A unidade é uma pessoa e quando falamos do número de infetados, estamos a falar de pessoas que foram infetadas. Mas a pergunta que temos que fazer a seguir é como é que estão a ser contados os casos Covid, o que é que significa ser um caso Covid. “

A metodologia  diz muito mais sobre a fiabilidade e os compromissos a que podemos chegar com os dados. Por vezes nós temos que assumir que apenas é possível saber o que é possível quantificar. Os números são um espelho fiel da realidade. No entanto, os números podem mentir e não podemos olhar para eles de uma forma cega e sem os questionar.

Sou um jornalista, antes de ser jornalista de dados. As perguntas têm  que se colocar sempre que se olha para números.

Como é que isto foi contado, quem é que recolheu e às vezes também, admito,  quem é que tem interesse que estes números saiam assim

Achas que o Jornalismo de Dados pode contribuir para o combate a Desinformação?

Não sei, mas acho que  poderá ser uma falsa questão. Na medida em que, esta ideia da objetividade é muito difícil de alcançar. Na nossa sociedade atual sofremos de  um problema, que é  o síndrome da Shinny new thing, ou seja, o síndrome da nova coisa que brilha. Achamos que a nova coisa vai revolucionar o mundo, a internet ia revolucionar o mundo. Sei lá, agora se  for  preciso as criptomoedas vão revolucionar o mundo e podemos arranjar exemplos disto em qualquer qualquer altura da história

Eu acredito no que faço , obviamente que eu acredito no lado quantitativo no jornalismo. É muito importante porque, pelo menos para mim, ajuda-me a que existam números para eu poder quantificar um fenómeno.,

É importante percebermos que pode ser um contributo importante para as discussões. Como consumidor de informação, ajuda me  muitas vezes a quantificação de um fenómeno. Isso pode ajudar me a perceber o que é que os dados dizem, uma vez que os números nos  permitem  ter uma perspetiva macro das coisas.

“As questoes que coloco a uma base dados dependem do fenómeno. Uma base dados de Covid, é completamente diferente de uma base de dados sobre poluição. O Jornalismo tem uma tendência grande  para perceber o fenómeno, queremos entender o que se esta a passar

Outra coisa  é o outlier, a produção estatística, que no jornalismo,  chamamos de “o homem que mordeu o cão”, o caso estranho .”

 O jornalismo tende a ter interesse naquilo que sai do habitual naquilo que tem o fator noticia. Por exemplo, se eu disser que  o numero de casamentos em Portugal está a descer ,não é noticia. O que seria noticia era se o numero de casamentos tivesse triplicado, em relação ao ano passado.

 O jornalista  de Dados tem o papel de entender a base de dados, descrever a base de dados 

o que é que eu tenho aqui?

 Que variáveis é que eu tenho aqui?

Como é que isto esta a ser medido?

 Quem é que esta a recolher isto?

Há algum interesse por parte de alguém para que  isto saia assim?  

E depois, há aqui um fenómeno puramente estatístico de descrever as base de dados

Qual é a média? Como é que tem sido a evolução deste fenómeno ao longo do tempo? Se for uma  base de dados que tem dados relativos a um período de tempo, as coisas evoluíram ou regrediram ? Como é que estamos agora? Depois, há uma segunda questão, que é perceber porque é que isto sai fora do padrão? Há alguma razão ? Costumo dizer que, sempre que que tenho uma noticia na base de dados, é mais provável que tenha sido eu a fazer asneira. Ou alguém que reportou os dados, antes de eu achar que é noticia. Se o caso é muito estranho, as coisas têm um padrão, quando saem fora desse padrão. Temos que questionar porquê?

Nessa altura o que é que tu fazes? Vais verificar?

A Primeira coisa é procurar alguma razão na metodologia  para aquilo estar a acontecer

Há alguma razão que leve a isto?  Estão  a ser excluídos dados? Há uma serie de falacias que já estão documentadas na estatística e que  costumam acontecer, com o reporte de dados e com a analise de dados.

A primeira coisa, é entender se há alguma coisa na metodologia que possa  explicar aquele fenómeno. Segundo, posso ter feito asneira, deixa me ir olhar para o que eu fiz, o código que escrevi, a analise que fiz. Posso me ter esquecido de incluir algum dado e é por causa disso. Terceiro ponto: se não me enganei, o melhor amigo do jornalista é o telefone. Há alguém que perceba disto mais do que eu?

As vezes, são os próprios fornecedores dos dados,  e nessa altura,  ligo para o instituto público que divulgou aqueles números e questiono.

Estou a identificar isto, tem alguma alguma explicação para isto?

Muitas vezes a pessoa diz  não faz qualquer sentido, deixe-me verificar o que aconteceu, para tentar entender se é mesmo uma realidade

Achas que esta pandemia veio realçar a importância dos dados ?

“Eu acho que este é o grande, e já disse isto várias vezes,  È o grande evento internacional  guiado por dados.”

Se  pensarmos numa pandemia,  num cenário semelhante. A última grande pandemia que tivemos  foi a gripe espanhola ou a  gripe das aves, que deixou o mundo em sobressalto.  Naquela  altura estávamos todos muito preocupados, mas acabou por não ter a dimensão que temíamos. Não me lembro de haver um reporte tão constante e tão diário de de números. Deve ser o primeiro evento com dados constantes e com dados  que  importavam muito ás pessoas.

Durante a Pandemia fizeste um trabalho sobre Como está a Confinar o meu Concelho , qual foi o feedback ?

As pessoas  queriam saber, sentiam a necessidade de saber como é que as coisas estavam.

Sobretudo, como é que as coisas estavam no sitio aonde viviam, foi curioso perceber isso.

Mesmo dentro da classe dos jornalistas,  fomos confrontados com a incerteza e a falta de dados. As pessoas queriam saber diariamente a informação de como estavam as coisas no sitio aonde viviam, na sua freguesia, os dados micro.

O feed back foi positivo,  e enviaram emails a dar sugestões.  A saber  se nós tínhamos de alguma forma acesso a informação que elas não tinham e se  podíamos divulgar na freguesia deles e se podíamos incluir esta ou aquela freguesia

 O Público não tinha toda a informação, em todas as  freguesias de Portugal, só se fossemos bater à porta e perguntar.  Estes dados são da DGS

“O melhor indicador de que um trabalho destes esta a ser bem recebido, é a quantidade de novas sugestões que eu recebo, dos leitores.

Por vezes, pode acontecer questionarem me, ou dizem isto era melhor se estivesse assim. Ou, porque é que vocês não incluíram isto? 

Gosto muito desse contacto com os leitores, porque me permite perceber  o que é que eu considerei  que não seria assim tao importante e que há pessoas que têm interesse naquela informação. Tenho vários Leitores a pedir para ver  aquele gráfico durante 10 anos, em vez de só poder ver agora.

Qual é a sensação de estar nomeado para um premio com esta importância, ao lado do New York Times ?

É fantástico obviamente é muito bom! De alguma forma, é  o reconhecimento do trabalho que fizemos  ao longo deste ano, o que é sempre bom . Obviamente que me deixa contente, nomeadamente Quando olho para os outros nomeados. Estar naquele leque de nomeados é muito Bom.  Uma nomeação nos Sigma Awards já é um premio

Em Portugal não há muitos jornais a fazerem este tipo de jornalismo

Não, não há…Há alguns bons  exemplos em Portugal e  espero  que isto venha a mudar.

É um género de jornalismo que obriga a investir mais tempo. Quando estamos a falar de coisas interativas, há  aqui uma conjugação de conhecimentos e são trabalhos longos, que exigem mais tempo. Não estou a comparar com o jornalismo de investigação. Embora o jornalismo de dados, também possa ser jornalismo de investigação. Ás vezes, é difícil que um jornal consiga apostar numa coisa destas e é bom que o Publico o tenha feito. É um facto que o Publico já tem um historial no jornalismo de dados e é sempre bom que haja  um reconhecimento.

Qual foi o trabalho que mais gostaste de fazer ate agora?

“Não consigo escolher  é difícil escolher , divirto-me muito a trabalhar! Gosto muito do que faço e isto tem um lado de muito stress e muitas horas, é verdade! Mas ao mesmo tempo, de gozo pessoal e de concretização quando se publica uma coisa e posso dizer que estou orgulhoso”

A Pandemia  serviu de catalisador para o digital. Isso também teve  impacto nos formatos digitais na informação?

Eu acho que essa potencialidade sempre esteve lá. Estes formatos interativos só fazem sentido se for para informar se com isso se conseguir mais assinantes, obviamente que isso também é uma parte importante!

Como vês a formação dos futuros jornalistas? Seria importante incluir mais formação tecnológica no jornalismo?

Sou contra a ideia de que todo o jornalista tem que saber programar

As circunstancias poderão levar a que o jornalista tradicional tenha cada vez mais, necessidade de saber programação.

Seja porque o BackOffice  tem um problema num texto e ele tem que mudar o bold de para Itálico, e não sabe como é que isso se faz. Sinto que em relação ao jornalismo de dados, antigamente era feito em colaboração com as equipas de informáticos designers e jornalistas.

Hoje em dia, quando falo  com outras comunidades de jornalistas de dados , as coisas estão cada vez mais a unir-se.

Não são só casos como o meu, que são jornalistas e se tornam programadores, temos muito o contrario.

Tem vindo a crescer este fenómeno, pessoas da programação que são cidadãos informados e que se juntam ás redações e têm que aprender ser Jornalistas

Os cursos de jornalismo têm a componente de estatística, com a disciplina de métodos de investigação, mas estão muito voltados para a investigação.

A programação ensinou me também o Net Citizen, o cidadão da internet. Saber programação, ajudou me a ser melhor cidadão da internet. Ajudou me a perceber melhor como é que as coisas funcionam, o que é que as coisas significam.

Aonde é que te vês daqui a 5 anos? O que é que gostavas de fazer no futuro?

Não faço a mínima ideia, não posso prever o futuro. Sou uma pessoa muito focada e  busco os meus objetivos, seja no que quero fazer, como aquilo que quero atingir. Gostava de ter uma experiência internacional e uma outra coisa de que eu gostava muito era ter uma equipa . Que o jornalismo de dados fosse menos solitário e que as coisas fossem feitas mais em equipa. No Publico, trabalhamos muito em equipa, mas gostava que houvesse uma comunidade de jornalistas de dados em Portugal e gostava de fazer parte disso.