Vivi Lamperth e Camila Milani
Atingidos pelo fechamento de galerias e espaços culturais, artistas enfrentam derrocada na profissão e instabilidade emocional.
A paralisação da cena cultural face à pandemia da Covid-19 desencadeou, não somente prejuízos financeiros a instituições profissionais na esfera artística, como também danos à saúde psíquica desta classe. Seguindo o mesmo cenário pandêmico do meio artístico global, em solo lusitano, assistimos ao colapso do setor que representou, segundo dados do INE – Instituto Nacional de Estatística, 3,3% do PIB do país em 2019. Números da mesma instituição apontam que as perdas no departamento cultural do país ultrapassaram os 70%, em 2020.
Atingidos pela crise financeira consequente ao Coronavírus, artistas de diversas instâncias viram suas carreiras ruírem. Face ao encerramento de museus, cinemas, teatros e outros centros voltados a manifestação das artes, os profissionais encaram, além da incerteza da manutenção de sua sobrevivência material, a instabilidade e ruptura da sua saúde emocional. De acordo com uma estimativa realizada pela GDA – Gestão de Direito dos Artistas – a cada espetáculo cancelado, cerca de 20 pessoas são impactadas, entre elas técnicos, produtores e artistas.
O artista plástico e fotógrafo eslovaco, Adam Engler, de 31 anos, é um dos personagens que ilustram a realidade desta classe atualmente. Recém chegado ao Porto em setembro de 2020, em pleno momento de restrições do governo na tentativa de diminuir os índices de contágio, veio a Portugal para fazer residência artística a convite de uma galeria de arte voltada às manifestações do leste europeu. Após dois meses na cidade, foi surpreendido pelo novo fechamento de museus e centros culturais, sendo impossibilitado de trabalhar presencialmente e de utilizar o espaço criativo da galeria.
“Fiquei completamente ansioso com a situação, principalmente agora, em que ficar dentro de casa se tornou rotina. Tenho amigos artistas que estão deprimidos, tendo que vender seus materiais, instrumentos de trabalho e, até mesmo, mudando de profissão”
Adam Engler
Adam ainda relata que, além de se ver impedido de obter retornos financeiros através de sua profissão, percebeu seu processo criativo também ser afetado, principalmente pela falta de interação com seu público.
“Na Eslováquia, fiz uma exibição que só pode ser vista online. Isso me fez perceber que meu público não consegue experimentar uma parte importante da obra, que é a intervenção, a forma como você cria o espaço. Isso realmente me afeta.”
De acordo com o estudo “Saúde Mental em Tempos de Pandemia (SM-COVID19)”, realizado pelo Serviço Nacional de Saúde Português e coordenado pelo Departamento de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças Não Transmissíveis do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, em colaboração com o Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e com a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, a mente dos portugueses foi impactada pelo cenário atual. A investigação, que inqueriu 6079 pessoas entre os períodos de 22 de maio a 20 de julho de 2020, dá conta de que cerca de 25% dos participantes manifestaram sintomas de ansiedade, depressão e stress pós-traumático, de nível moderado a grave.
Para o Doutor em psicologia e professor da Universidade de São Paulo, Esdras Vasconcellos, o represamento da angústia gerada pelo momento de instabilidade e incertezas em torno da situação atual, é justamente o motivo pelo qual tantas doenças mentais vem acometendo pessoas durante esta pandemia.
“Quando não há o escoamento da angústia, ela pode desencadear condições mentais como a paranoia, onde o paciente se sente constantemente ansioso ou com medo quanto alguma situação, além de manias de perseguição e fobias irracionais. Além disso, podem haver impactos no sistema imunológico, nervoso e endócrino”.
Dr. Esdras Vasconcellos
Segundo o especialista, um traço singular desta pandemia e que deve ser levado em consideração, é justamente a proibição das interações sociais e de vivências de situações em grupo.
“Vemos todos os tipos de manifestações artísticas e culturais, que são amplamente vivenciadas e utilizadas como meio natural de escoamento da angústia, sendo proibidas uma a uma. Isso gera um sentimento de impotência e, até mesmo de revolta. Por este motivo, vemos tantas festas clandestinas acontecendo”
Na mesma linha do que vem a ser apresentado no âmbito mundial, em Portugal, os mais afetados pela ansiedade e depressão, em tempos de pandemia, são jovens adultos e mulheres. Após meses de restrições, Adam lida não apenas com as incertezas de seu futuro na profissão, mas também, com os impactos do isolamento. “O que eu mais sinto falta é da interação com pessoas. Mudei para Portugal, mas não vivencio ou viajo pelo país. Eu, literalmente, só mudei de rua, de quarto”, desabafa o artista.
Para o Dr. Esdras, a realidade pandêmica exige acompanhamento clínico. De acordo com o psicólogo, a terapia é um dos melhores modos de auxiliar cada indivíduo a encontrar meios de lidar com suas angústias e de recuperar a realização pessoal em tempos de estafa mental. Entre aconselhamentos, o especialista indica que tentemos enxergar o ciclo da pandemia como algo intrínseco à natureza e que devemos nos adaptar de maneira natural e resiliente.
“O vírus não tem intenção de nos matar, ele busca sobreviver. Ele é um elemento na cadeia que, coincidentemente, afeta a gente.”
Em meio a reflexões e planejamento de novos projetos, Adam tenta manter-se otimista e já possui novas ideias para suas próximas obras, entre elas, a peça ‘Alma’. “Talvez ela consiga representar o que a pandemia é para mim: Algo pneumático. Haverá um balanço feito com a câmara do pneu de um caminhão, onde senta-se para ver um vídeo ou apreciar uma outra obra de arte e que vai esvaziando-se a medida que o tempo passa. Assim, quando levantar, o pneu estará vazio e para que o próximo possa aproveitar, deve-se inflar a peça. Para mim, é assim que posso refletir a situação deste ano, quando se coloca a alma para fora, é necessário força para que haja novo bombeamento de ar e que estejamos cheios de vida novamente”.
Apesar de ser quase impossível prever como estaremos no futuro, mantem-se a esperança de vivenciar lugares, pessoas e, principalmente, de poder criar e de experimentar cada dia mais arte. Deve-se continuar a incentivar e consumir arte, sem que deixemos de lado as burocracias sanitárias e, principalmente, a preocupação com a saúde mental.