A infância é uma fase determinante na nossa vida e as experiências vividas nessa, fase marcam nos para sempre. Os primeiros colegas de escola, as professoras, as brincadeiras e corridas no recreio, os primeiros amigos, aprendemos a ler e a escrever, a matemática e o estudo do meio, a tabuada e as contas de somar, multiplicar, dividir e subtrair.
Subtrair, foi a isso que a pandemia nos obrigou…
Subtraiu-nos o contacto físico com o outro, obrigou-nos a ficar em casa, usar máscaras e ficamos a ver o mundo através das janelas que são os computadores, os tablets, as televisões e a rádio.
Mas quando se tem 6 anos, como se encara tudo isto?
Como é que as crianças com idades entre os 6 e os 10 anos e que vivem num meio rural numa freguesia de Trás-os-Montes, encararam esta nova realidade que trouxe a pandemia?
Ervedosa é uma freguesia portuguesa do município de Vinhais, com 49 km² de área e 376 habitantes (2011). A sua densidade populacional é de 7,7 hab/km².
Fomos conhecer a turma da escola desta freguesia! Estava sol e cheirava a primavera… ouviam-se os risos dos meninos a brincar no recreio, apesar dos baloiços e cavalinhos estarem selados com fitas para impedir a sua utilização, a exemplo daquilo que aconteceu nas cidades e nos parques.
A professora de ginástica ajudou-nos a organizar a visita e as entrevistas, com a devida autorização dos pais e encarregados de educação.
Mas mais do que descrever, vamos ouvir…
Quisemos saber o que é uma pandemia…
“- Sabem o que é uma pandemia?
– Simm….
– Então digam lá, o que é?
– É uma coisa… um vírus ou alguma coisa, que passa pelo mundo inteiro, que está no mundo inteiro…
– Não sei bem….
– Ficar em casa?
– Usar máscara… ficar fechados em casa sem ninguém para brincar e… os pais… não podem ir trabalhar e é muito mal…. as pessoas têm que ficar trancadas em casa.
– Como é que foi a vossa pandemia?
– Má! Porque não pudemos sair de casa para brincar com os amigos.
– Mas vocês têm quintal ou não? Não saiam para o quintal para brincar?
– Não podiam estar com os amigos?
– Sim… eu às vezes ia saltar para o meu trampolim…”
Foi assim que Pedro (nome fictício) aprendeu a dar uma pirueta no ar e cair de pé no seu trampolim… lições que muitos de nós aprendemos nesta pandemia que nos atirou para dentro de casa e nos obrigou a ensaiar novos saltos na vida e cair de pé.
“O que é o COVID?”
“É uma doença que afeta os pulmões e há pessoas que morrem com ele…
– O COVID; é uma coisa má…
– É um bichinho que não é adotável… e que não se vê…
– É estar longe dos amigos, estar em casa…
– O COVID é uma coisa má… que tira a vida às pessoas e que é capaz de por muitas pessoas com doenças graves e capazes de morrerem…”
O que é que mudou com o COVID?
Bem…mudou muita coisa não podemos ir passear não podemos ir para os parques… e não podíamos ir ver os avós.
Uma dessas mudanças foram as máscaras, que passaram a ser obrigatórias em todos os locais públicos, abertos ou fechados.
As máscaras…
“Vocês usam máscara, estou a ver que andam todos de máscara…gostam de usar?
– Não!!! Ficamos todos “ensufocados”
– Temos que estar sempre, nas aulas e na escola, tem que estar sempre! Mesmo quando vimos para o recreio… mas podemos lanchar sem a máscara.”
Quanto às aula on-line, as opiniões divergem…
Apesar de agora já poderem brincar no recreio, as aulas on-line foram uma realidade para estas crianças durante vários meses.
Mas gostavam mais de estar em casa ou aqui, na escola?
As opiniões divergem. Por vezes tinham dificuldades em encontrar as páginas …por outro lado, tinham a vantagem de poderem ver mais televisão.
No entanto, os problemas foram vários… e até um corte de energia aconteceu durante a pandemia.
Os computadores e os horários das aulas
Para estes meninos de Ervedosa, utilizar o computador ou o tablet não foi uma novidade nem sentiram dificuldade, pois fazem parte de uma geração “digitalizada”.
Algumas famílias não tinham computador. Para colmatar esta falta, a Junta de Freguesia emprestou computadores para as crianças poderem assistir às aulas, que aconteciam maioritariamente no período da manhã. O resto do dia era passado no quintal e a ver televisão.
Algumas disciplinas deixaram de ser lecionadas durante a pandemia…
Durante a pandemia, as aulas de informática, musica e ginástica, deixaram de existir… Passaram a ter apenas as aulas com o professor principal e as aulas de Inglês.
“De que sentes Saudades?”
– O que é que sentes saudades de fazer agora? O que é que fazias antes e que agora já não fazes?
– Já não podemos ir para os baloiços…
Joana (nome fictício) aprendeu a andar naquele ferrinho (a barreira protetora que divide o passeio da estrada) e a fazer ginástica com aquilo que esta mais à mão …
Estes meninos têm saudades de ir visitar os avós, os primos, os padrinhos… alguns avós estão emigrados.
Sentem a falta do convívio com a família alargada e acham que a vida está pior, pois não podem andar nos baloiços, jogar futebol, ir à praia ou aos parques.
Falam com saudades das conchinhas e dos búzios onde ouviam o som do mar….
Durante a entrevista chegou a carrinha do peixeiro, que com a sua música alegra o largo onde fica a escola. É então que uma das meninas diz, com os olhos a brilhar:
– Eu até inventei o abraço COVID!
– É assim! – Enquanto estica os braços para uma colega…
“Espero que o Covid acabe em breve…”
A mãe de João (nome fictício) trabalha num lar e ficou infetada com COVID. Não podia ir dormir a casa.
Ele teve que fazer o teste, mas felizmente nem ele nem o pai ficaram infetados.
O Natal foi longe da família, e os meninos têm muitas saudades dos avós e dos primos… As prendas vieram da internet: um trator com a pá da frente e um reboque, uma caixinha de ferramentas, uma boneca do tamanho da dona.
Enquanto se ouve um avião a passar, um deles diz:
“Se as fronteiras estão fechadas como é que vai ali um avião? “
Como diz a lenda, quando vires o rasto de um avião no céu, pede um desejo!
“Pois…que os avós venham depressa!”