Apresentação Geral do Arquivo Dialetal do Centro de Linguística da Universidade do Porto
Nesta página, será disponibilizada a todos os interessados parte da coleção de gravações sonoras do português europeu contemporâneo que integram o Arquivo Dialetal do Centro de Linguística da Universidade do Porto. As gravações do Arquivo foram todas recolhidas por estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto em diversas regiões de Portugal (Continente e Ilhas) entre os anos de 1994 e 2012. Foram obtidas em contexto de entrevista espontânea e consentida e realizaram-se, sob minha supervisão, no âmbito de trabalhos individuais para avaliação curricular em diversas disciplinas da área de Linguística Portuguesa lecionadas por mim na FLUP nesse intervalo temporal.
Cada gravação disponibilizada nesta página é acompanhada de informação relativa à caracterização sociodemográfica do respetivo informante, da correspondente transcrição ortográfica e fonética estreita, de um levantamento sumário dos principais fenómenos de variação atestados na amostra e, ainda, da localização cartográfica do local de origem do falante.
Ao disponibilizar-se, por esta via, esta informação respeitante ao acervo que constitui o Arquivo Dialetal do CLUP, pretende-se tornar acessível a estudantes, professores, investigadores e outros interessados em questões de língua e linguística portuguesas um conjunto de dados que poderão ser úteis e interessantes para o seu estudo e para o seu trabalho. Quer as gravações sonoras propriamente ditas, quer os documentos escritos e cartográficos que as acompanham – bem como toda a restante informação reunida nesta página – poderão ilustrar ou documentar pesquisas, apresentações, publicações ou recursos educativos que tomem em consideração a variação dialetal e socioletal do português. O material e a informação que aqui disponibilizamos ficam à livre disposição de toda a comunidade, sendo especificadas numa secção à parte as normas a seguir para a citação do material do Arquivo.
Julgo que os dados aqui disponibilizados poderão fornecer algumas pistas para a compreensão de alguns fenómenos de variação e mudança em curso no português europeu contemporâneo. Em minha opinião, poderemos estar, efetivamente, perante uma amostra exemplificativa do português falado em Portugal nos últimos 20 anos, sobretudo no que diz respeito às normas regionais e sociais mais representadas no Arquivo: as normas setentrionais, predominantemente urbanas, desta língua.
Estou ciente de que estes dados, pelas características da metodologia com que foram recolhidos e pela qualidade técnica da maior parte das gravações, poderão não corresponder inteiramente a todas as exigências técnicas e metodológicas inerentes à investigação em dialetologia, sociolinguística ou fonética. Sublinho que o objetivo que presidiu à recolha e organização desses materiais não era esse, porém. O que se pretendia, acima de tudo, quando aos estudantes era pedido que procedessem à recolha de uma amostra dialetal do português europeu, socorrendo-se dos meios técnicos que tinham ao seu dispor e sujeitando-se a contingências de diversa ordem (disponibilidade para efetuar deslocações dentro do país ou a possibilidade de acesso a informantes geograficamente dispersos, p. ex.), era familiarizar e confrontar tais estudantes com algumas técnicas muito elementares de trabalho de campo em ciências da linguagem e levá-los a trabalhar de forma mais independente e mais criativa, ao mesmo tempo que se tentava potenciar a sua atenção explícita para os fenómenos de variação dialetal e socioletal.
Dessa forma, foi possível ir reunindo, ao longo de quase duas décadas, uma considerável coleção de amostras dialetais do português europeu contemporâneo. A ideia de a tornarmos finalmente disponível ao público surgiu apenas muitos anos depois das primeiras amostras, quando a coleção se foi avolumando e a minha perceção do seu potencial interesse foi ganhando forma. Esta página é, assim, a materialização de um resultado de trabalho que não constava dos objetivos iniciais das atividades que lhe deram origem.
Noutras secções desta página, serão dadas outras informações relevantes para uma melhor avaliação, consulta e utilização dos dados do Arquivo Dialetal do CLUP. De momento, referirei que os dados que ficam acessíveis a partir de agora neste recurso web constituem somente uma parte de todo o acervo do Arquivo: além destas, continuam depositadas no Centro de Linguística da Universidade do Porto algumas dezenas de gravações que não são tornadas públicas aqui por razões que se prendem, fundamentalmente, com três causas principais – (1) por se encontrarem ainda em suporte analógico, (2) por a sua qualidade técnica/inteligibilidade não ser a melhor ou (3) por o seu conteúdo poder permitir, com extrema facilidade, a identificação civil dos informantes, comprometendo-se assim o anonimato destes participantes, que sempre quisemos e temos que preservar. Ainda que não façam parte do conjunto de amostras disponibilizadas nesta página, tais gravações estão catalogadas na base de dados do Arquivo, muitas delas foram objeto de transcrição e análise linguística e poderão vir a ser consultadas, em condições a definir caso a caso, no âmbito de trabalhos de investigação em linguística e a pedido de investigadores eventualmente interessados em aceder a esse material.
Gostaria de deixar absolutamente claro que o grande objetivo da criação desta página é tirar dos armários e das gavetas do Centro de Linguística da Universidade do Porto um conjunto de dados que, com as limitações que estes têm, poderão, contudo, ser úteis em diversos contextos e no quadro de diversos tipos de abordagem. Por outras palavras, pretende-se com esta iniciativa partilhar uma parte do património imaterial do CLUP que, pelo interesse que tem para o conhecimento mais aprofundado de uma parcela da realidade do país, achámos que deveria ou poderia ser conhecida de um número maior de pessoas. É também, de certa forma, uma prestação de contas a pessoas e instituições que, de um modo ou de outro, foram dando apoio e colaboração em diversas fases do percurso que nos traz até este produto.
Mencionei já, alguns parágrafos acima, o interesse que estes dados poderão ter para estudiosos nos domínios da variação fonética, socioletal e/ou dialetal. Julgo que não podemos excluir que, no futuro, as produções que se encontram no Arquivo possam vir a interessar estudiosos de outras áreas, tais como a análise do discurso, a pragmática e a sintaxe, entre outras, tendo em vista as condições particulares de produção em que estas amostras do português foram induzidas – o que, em si, é um outro motivo para a construção deste recurso.
Num plano diferente, direi que esta coleção de dados linguísticos é o reflexo de uma parte importante do meu trabalho nos últimos 20 anos e é por isso com grande satisfação, e alguma sensação de realização pessoal e profissional, que apresento aqui este modesto resultado. Noutras secções desta página, será feito um público reconhecimento a todas as pessoas e instituições que colaboraram na recolha, catalogação e tratamento das amostras ou que de alguma forma trabalharam ou colaboraram nas diversas fases de trabalho que nos conduziram até aqui. No entanto, gostaria neste momento de deixar o meu reconhecimento público e um agradecimento mais especial àqueles que acabaram por estar mais intensamente envolvidos em todo o processo e sem os quais o meu entusiasmo não teria sido, por si só, suficiente para se chegar a este ponto. Assim, agradeço o apoio que a Faculdade de Letras da Universidade do Porto e o Centro de Linguística da Universidade do Porto deram desde sempre a este projeto. Foi, antes de mais, graças ao trabalho pedagógico que tenho podido desenvolver na Faculdade desde 1993 que encontrei as condições necessárias para obter o material que hoje constitui o acervo do Arquivo. Através do apoio logístico e institucional que a Faculdade concede ao Centro de Linguística, pude beneficiar de condições importantes para o desenvolvimento de todo o trabalho necessário, sendo de inteira justiça aqui reconhecer e agradecer, de forma muito particular, a cedência, por parte da Faculdade, de um espaço privativo, no sótão do Palacete Burmester, para a instalação física do Arquivo Dialetal e para a realização de todas as tarefas que começaram a dar corpo ao resultado que agora aqui se apresenta. Essa sala foi o espaço do Arquivo entre 2008 e 2011 e sem essas condições o projeto não teria sequer ganho a forma inicial que tornou possível todos os resultados entretanto alcançados. O agradecimento ao Centro de Linguística da Universidade do Porto não cabe em poucas linhas. Ao aceitar reservar três bolsas BII da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, nos anos 2008/2009 e 2009/2010, para as tarefas inerentes à catalogação e estudo da coleção de amostras do Arquivo, o Centro deu um impulso verdadeiramente decisivo a todo o desenvolvimento que este trabalho viria a conhecer mais tarde. Tal impulso foi ainda continuado com o apoio institucional, logístico e financeiro a muitas tarefas imprescindíveis para termos chegado a este resultado. Espero que uma forma de retribuirmos ao Centro o apoio que dele recebemos é que este Arquivo, que lhe pertence, consiga trazer um retorno científico importante a esta unidade de investigação que, com satisfação e orgulho, vejo cada vez mais reconhecida como um centro de referência na sua área de investigação. Será justo também nomear aqui a Fundação para a Ciência e a Tecnologia que, através do apoio dado nos últimos anos ao CLUP e, mais particularmente, através das bolsas BII que acima recordei, também nos prestou um contributo valioso. Se o Arquivo tem muito de mim, em termos de interesse e empenho, tem também muito do Pedro Tiago Martins, a quem se deve praticamente todo o trabalho de organização e catalogação das amostras, de transcrição e tratamento das mesmas e, finalmente, de conceção e produção desta página. Desde que começou a colaborar no Arquivo, como bolseiro BII, em 2008, até ao presente momento, o Pedro teve a seu cargo – e, relativamente a algumas delas, executou na íntegra – tarefas tão importantes como a organização e catalogação das amostras do Arquivo, a verificação cuidada de todas as gravações, a edição sonora dos ficheiros transcritos para esta página, a exemplar e cuidadosa transcrição ortográfica e fonética de todas as entrevistas, o levantamento das marcas dialetais de todas as amostras, a codificação dos dados que deram origem aos documentos cartográficos que constam da página, a produção de logotipos e de toda a imagem gráfica do Arquivo e a preparação de materiais apresentados em congressos a partir dos dados do Arquivo, entre outras. Fê-lo sempre com dedicação, interesse, entusiasmo, entrega, inteligência e criativade e não tenho quaisquer dúvidas em dizer que esta página não seria o que é se o Arquivo e o Centro de Linguística não tivessem contado, nestes últimos anos, com o seu trabalho, de que vou sentir a falta nos próximos tempos. É mesmo um grande gosto ver que a licenciatura em Ciências da Linguagem da FLUP “produz” colaboradores tão bons como o Pedro Tiago Martins. O Miguel Nogueira, da Oficina do Mapa, com toda a sua competência técnica e o seu interesse genuíno neste projeto, deu um contributo inestimável ao projeto e esta página, sem os mapas que dela constam, não teria o interesse e a validade científica que passa a ter graças ao seu trabalho – com o qual, de resto, puder aprender imenso. Sublinho ainda, ao reconhecer este contributo deveras fundamental, que a cartografia, neste projeto, não é um suporte secundário para tornar a informação apresentada mais atraente, mais explícita ou mais legível. A produção de documentos cartográficos originais de acordo com os padrões de qualidade mais exigentes na área constitui uma peça central de todo o projeto, e todas as opções cartográficas que dão origem aos mapas incluídos nesta página foram tomadas com base em critérios científicos. Finalmente, devo uma palavra de especial apreço ao Manuel Gericota, do Instituto Superior de Engenharia do Porto, cuja colaboração com o Centro de Linguística da Universidade do Porto ao nível das questões de informática e, em especial, da nossa página web tem sido notável. A dedicação e profissionalismo com que atende sempre às nossas dúvidas e as sugestões iluminadas que nos faz – e que, na montagem e implementação desta página tem feito – são sempre uma ajuda preciosa para todos nós e eu aproveito esta oportunidade para, uma vez mais, lhe agradecer todo o apoio, desinteressado e generoso.
João Veloso